terça-feira, 14 de junho de 2016



IMITAÇÃO DA VIDA - Uma parábola


Muitas vidas se encaixam na imagem de um velho barco abandonado na praia.
Quando era jovem, ágil e forte, enfrentava  ondas iguais montanhas líquidas, escalando-as por um lado e descendo pelo outro, sua quilha abrindo-as se elas se tornassem impertinentes.
Se ele nos pudesse falar, contaria suas aventuras sempre como uma fiel montaria de seu dono  que confiante nele mesmo, ele o barco azul e branco, tinha que o proteger de suas ousadias, suas incursões a alto mar abissal como se estivesse pilotando um grande barco de aço.
Não, diz o barco abandonado - sou, ou melhor, fui feito de madeira nobre e forte, mas apenas era de madeira.  Os pescadores à garupa semeavam iscas, e eu percorria os imensos campos líquidos a levá-los aos melhores locais de colheita. Os frutos eram feitos de prata reluzente ao sol que mal despontava. Enquanto o sol se espreguiçava para enfrentar mais um dia de trabalho quente e iluminado neste lado da Terra, sobre este oceano, eu procurava me encharcar para não dar o vexame de trincar meu madeirame causando vazamento. Fui um barco cauteloso e fiel aos meus tripulantes e, sobretudo ao meu dono.
Mas ouvia muito se falar de um lapso de Tempo em cujo bojo se aloja o que chamam de Vida.
Quando singrava alto mar na superfície crispada de picos e vales aquosos, jamais dei atenção aos velhos barcos que diziam que: - os barcos quando ficam velhos e vazando água, são abandonados em qualquer praia para ali apodrecerem, sua estrutura será carcomida pelas ondas fortes e salgadas, sua pintura que era sua pele, não mais existirá. A areia o vai esmerilhando desfazendo o cerne de seu madeirame, animais marinhos farão dele morada, até que um dia será um esqueleto desmantelado espalhado pela praia, e sem nome ou recordação ele será engolido pelas areias e pelo mar. Não há fim mais triste- diziam. E alguns emanavam gotas azuladas que caiam em mar calmo.
Agora, ingressado naquilo que ouvia sem dar crédito. Na solidão e no silêncio cortado pelo ritmado e constante rumor do mar, lavando interminavelmente a imensidão de areia, onde já principiava a afundar seu calado, sentia um pequeno conforto nos breves pousos ora de uma águia do mar, ora de uma gaivota, que julga ter-lhe feito piedosa companhia.
Como não falava a língua dos homens, dos pássaros, nem dos peixes e outros animais marinhos, foi morrendo em silêncio taciturno e no mais doloroso abandono, a despeito do grande significado que teve quando deslizava sobre as águas, transportando tripulação, carregamento de peixes, tralhas de pescadores, e mesmo no período proibitivo de pesca, seu dono o utilizava para passeios com os turistas às ilhas e praias distantes.  Sua vida era intensa.
 Um barco velho  abandonado não foge muito da semelhança da vida humana e de nossos irmãos não humanos, que servem aos donos como bestas de carga, transportes de veículos de tração animal, cães de guarda, bois de carro e muitos deles  ou são abandonados à própria sorte ou pior vendidos para o abate, quando deveriam descansar  para morrer, ainda servem  de alimento como suas carnes cansadas... 
Nós não fugimos muito à regra, muitos “filhos” abandonam seus pais em uma Instituição, que vive da caridade popular.
 Certa vez por força de ofício conversei com uma senhora muito velhinha, que estava totalmente só, isolada em um dia festivo e de visitas. Ela disse-me, que já fazia vinte anos, que se não fora um único neto, já cinquentão, nenhum representante familiar a vinha visitar. E disse-me ele que seus pais eram vivos ainda.
Tem momentos que olhamos  para a vida como o barco abandonado à sua sorte , sem saber em que praia vai ser abandonado, se não por filhos pela falta de presença do Estado, que levou-nos durante toda a vida os encargos sociais, e somos abandonados nos solitários ermos das praias distantes. Nossos filhos e parentes podem menos do que nós,  e tem uma hora que você olha para o horizonte que se encontra  o céu com  grande oceano e sabe que vai terminar os dias na solitária praia esbatida pela fortes ressacas, o peso das areias que o irão sufocar, largado à própria sorte, por conta de uma política mais humana de saúde. Embora todos os esforços de filhos, genros e netos. Mas como o barco: parece que não fala a mesma língua daqueles humanos, nem dos pássaros do céu, nem dos médicos sem meios  logísticos também como uma guerra que tudo falta.
Oremos aos céus para que  nosso processo final não se assemelhe tanto ao nosso barco inspirador desta parábola da vida.
Mauro Martins Santos



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