quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O CRIME DA JOVEM RUIVA




O CRIME DA JOVEM RUIVA
Mauro Martins Santos

LUZ

Este texto é um retorno luminoso semelhante à telha de vidro da "Felicidade" de Hermann Hesse quando um inocente menino.
No retorno veloz ao passado, um ser alado sobrevoa o mar de minha vida, e por percorrer o caminho luminoso deixa sua antítese trevosa e sombria, levando a perder-me nos meandros das árvores falantes. Pois a solidão é imensa no oceano do pensamento e os seres mais próximos dos semoventes são as amigas do reino vegetal. O pensamento mais veloz que a tudo que subsiste, vêm de confins ignorados a habitar a carne com as dores e feridas, lançadas pelos carcereiros de minha amada Esperança, pelos carrascos encapuzados, preparados a levá-la á morte no patíbulo erigido fora das muralhas da razão e de todo entendimento.



Só não o fizeram ainda à bela jovem feita de sonhos reais e irreais como a dança das luzes espectrais do sol da meia noite na aurora boreal, por dúvida de qual forma levarão para sempre a chama vital que vitaliza as almas. Lá estão o cepo e o machado, o cesto para a cabeça, a calha para o sangue, lá está a corda exageradamente grossa e nós tão díspares para tão delicado pescoço - bastaria pequena torção . O amontoado de enorme caieira e o madeiro no centro para a queima da bruxa dos cabelos rubros: tu Esperança, cujo crime maior para os inquisidores são teus longos devaneios em silêncio absoluto à margem do cristalino regato.

Os inquisidores têm dúvidas de qual meio o povo que se acotovela irá apreciar mais. Afinal a Inquisição precisa ganhar apoiadores, precisam gostar do que veem - antegozar ao êxtase. Não basta trazer a mulher nua, não basta ser uma mulher, tem que ser jovem, pele macia, não basta tudo isso sem que ela seja surpreendentemente linda e encimando ser ruiva de olhos verdes ou azuis. Afinal os expectadores merecem um espetáculo de primeira ordem.  Há que ser impactante, rufar de tambores, choros e gritos e rogos femininos.

Uma feira sempre é montada para vender “lembranças” do "Dia da Queima de Mais Uma Bruxa". Mechas de cabelos vermelhos dentro de pequenos frascos eram vendidas como água no deserto. Fora das emanações do fanatismo, sadismo, antegozos, mórbidos prazeres - em domínio da razão - via-se a empulhação, a tapeação: pelos de animais, cabelos das esposas megeras tingidos - estas megeras eram as mais obsessivas e tresloucadas para a grande apoteose: coroada de ódio da beleza do corpo, da juventude, do rosto perfeito, do desejo de seus maridos, e prazer gozado lentamente ao ver um corpo queimando, um rosto se derretendo e virando cinzas ao fogaréu...

*

O pensamento não podia se perder ou ganhar asas e acabava por deitar raízes na chaga da qual se nutria - ao bel prazer - em cor e domínio: a Inquisição. A chaga que impingiam se alastrava ao vulgo, respiravam com delicioso prazer o cheiro de carne humana assada, e ao seu ritmo todos ingressavam no estertor do prazer mórbido.


Não é um dado falseado no momento, mas, pontuados acontecimento de contornos precisos para se conquistar seguidores, revoltados, fanáticos e introduzi-los nos currais do interesse da bipolarização do poder, que lá adiante era um só e único empoderamento, mas com ascensão de um, sobre o outro secular. Difusos personagens escapam aos exames seguidos de certas perguntas; rejeitam os nomes gravados na História, e assim ganham mais ênfase para alastrarem-se até o último limite do corpo e íntimo dos pusilânimes de sempre.


O SONHO

O momento em que pensava sobre isso, era bombeado e alimentado por seu subconsciente ativo durante o sono. Era, contudo um arquivo pálido perdido além de portas e janelas, torres e agulhas apontando para o céu e horizontes. Talvez muitas coisas se  relacionassem com ela: memórias de um cão que uivava ao longe com fome de carne, sinos tangendo na catedral escura de linhas góticas, massa feita de olhos de gárgulas, baços, de pessoas de sorrisos desdentados. Os dedos em garras no breu da noite... Depois tudo desce como um ser alado e pousa manso em certa manhã de sol.

O sol estava ali e produzindo energia para as forças de seu corpo esbelto e ereto, e sua altivez de mulher imensamente bela, cabelos longos com a cor do cobre puro, marchetado por ciganos romenos. Estava a minutos ou horas, quem sabe anos, menosprezada, destituída da aura das coisas deixadas num canto, como uma fada ou anjo tolhida de suas asas, sempre prontas e confiáveis.
Se aproximássemos de seu quarto o ouvido, como o fazemos com uma concha acústica ouviríamos dialetos, mas de encantos: vozes que remoem as tardes em sua longa solidão... Festa em júbilo de retorno à vida, que estava lançada ao profundo túnel do tempo regresso; vidas perdidas no vórtice de um revirar da ampulheta; papeis em branco dando lugar a pergaminhos amarelados e cobertos de iluminuras. Destaque para uma mulher ruiva, alta e bonita, amarrada ao cadafalso, assistida por uma corte real em primeira fila e um clero, ambos evanescentes.  
O linho grosseiro e áspero foi-lhe arrancado para exibir toda a sua nudez em que mais se destacava à alvura marmórea de seu corpo, o vermelho-ruivo dos cabelos.  Em sua visão fantástica tinha clara consciência que o prolator de capuz a escurecer o rosto sentenciava; “aquela mulher como uma perigosa bruxa - como se via por seus cabelos da cor do fogo do inferno - costumeiramente de olhos perdidos endemoninhados e balbuciando em voz baixa o dialeto das bruxas”.

Este pronunciamento - lembrando-se da sentença - era seu ignóbil crime: “estar sempre absorta e perdida em seus pensamentos, montando versos e estrofes, rebuscando rimas e com um estilete carvoejado grafando-as em um pergaminho”... Pensava em seu noivo que fora tomado por um torvelinho forte e veloz, se elevando para um ponto que ela sabia ser o caminho-futuro. Assim ia para as margens do ribeirinho, eivada de emoções na mais cristalina solidão.



FIM

Assim... Você deverá prender os brincos com os quais ele a presenteara. Ponha uma rosa vermelha nos cabelos que ele sempre toma por sedução.   Rebusque em suas gavetas que ficaram cheias de lembranças. Cesse seus pensamentos do passado, isto agora nada mais significa além de uma vivência a mais para sua alma.  Ache no fundo de uma das gavetas o Anel Mágico da Redenção. Ele tem agora um brilho forte, diferente. Olhe profundamente para a pedra ônix, lá no fundo de sua cor negra verá um ponto de luz gradativamente aumentando, um rosto surge, um lugar onde reside seu futuro lá esta ele a te esperar.
E a estação do ano, que estiver vivenciando - será uma eterna e florida Primavera - junto às janelas e vitrais espalhará seu brilho e aura com a mesma fidelidade que faz há séculos. E sempre fará...


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